Direito à identidade transexual

Maria Berenice Dias[1]

 

Um dos instigantes fenômenos que estão a reclamar regulamentação é o da transexualidade, pois diz com a identidade do indivíduo e se reflete em sua inserção no contexto social. A proteção do transexual se refere ao direito à intimidade, um dos elementos do direito de personalidade, que merece destacada atenção constitucional, quando se fala em tutela da dignidade da pessoa humana.

O sistema jurídico, cioso de seus mecanismos de controle, estabelece, desde logo, com o nascimento, a identidade sexual, teoricamente imutável e única.[2] A identificação do indivíduo como pertencente a um ou a outro sexo é feita no momento do nascimento, de acordo com o aspecto da genitália externa. De acordo com o tipo genital revelado aos olhos, será a criança identificada como menino ou menina e assim será designada, no momento de ser efetuado seu registro de nascimento.[3]  Mas essa constatação não ultrapassa as fronteiras de uma observação anatômica.[4] A identidade sexual dá-se por meio do critério morfológico, e o papel do gênero é a expressão pública dessa identidade.

Contudo, a determinação do sexo não decorre exclusivamente das características físicas exteriores. A problemática da identidade sexual de alguém é muito mais ampla do que seu sexo morfológico.[5] A aparência externa não é a única circunstância para a atribuição do gênero, pois com o lado externo concorre o elemento psicológico.[6] A mera utilização desse critério de verificação do sexo, com desprezo às características secundárias e terciárias da sexualidade humana, não possibilita descartar eventuais ambigüidades sexuais. O sexo civil ou jurídico deve espelhar e coincidir com o sexo vivido socialmente pela pessoa e por isso não admite ambigüidades.[7]

Para a Medicina Legal, não se pode mais considerar o conceito de sexo fora de uma apreciação plurivetorial, resultante de fatores genéticos, somáticos, psicológicos e sociais.[8] A Psicologia define a sexualidade humana como uma combinação de vários elementos, não podendo o Direito deixar de curvar-se à pluralidade psicossomática do ser humano, prestigiando a rigidez do registro identificatório da identidade sexual.

Eventual incoincidência entre o sexo anatômico e o psicológico gera problemas de diversas ordens. Além de um profundo conflito individual, ocorrem repercussões nas áreas médica e jurídica, pois o transexual tem a sensação de que a biologia se equivocou com ele.[9] Ainda que reúna em seu corpo todos os caracteres orgânicos de um dos sexos, seu psiquismo pende, irresistivelmente, ao sexo oposto. Mesmo sendo aparentemente “normal”, nutre profundo inconformismo com o seu sexo biológico e, o intenso desejo de modificá-lo, leva à busca de adequar a externalidade à sua alma. O processo transexual, que começa com o vestir-se como o outro sexo, passa por tratamento hormonal e terapêutico e termina com inúmeras cirurgias. Não é um processo passageiro. É a busca consistente de integração física, emocional, social, espiritual e sexual, conquistada com muito esforço e sacrifícios por pessoas que vivem infelizes e muitas vezes depressivas quanto ao próprio sexo.[10]

Segundo a Classificação Internacional das Doenças (CID-10 F64.0), a transexualidade caracteriza-se por um desejo imenso de viver e ser aceito como membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico e o desejo de se submeter a tratamento hormonal e cirurgia, para seu corpo ficar tão congruente quanto possível com o sexo preferido. O que define e caracteriza a transexualidade é a rejeição do sexo original e o conseqüente estado de insatisfação. A cirurgia apenas corrige esse “defeito” de alguém ter nascido homem num corpo de mulher ou ter nascido mulher num corpo de homem.[11]

Com a evolução das técnicas cirúrgicas, tornou-se possível mudar a morfologia sexual externa para encontrar a identificação da aparência com o gênero desejado.  Resolução do Conselho Federal de Medicina[12] autoriza, a título experimental, a realização de cirurgia de redesignação sexual. Considerando ser o paciente portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo, reconhece que a transformação é terapêutica in anima nobili.[13] Foram fixados critérios estritos para a intervenção. O paciente deve, pelo período de dois anos, submeter-se a acompanhamento de equipe interdisciplinar formada por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social. Somente após o diagnóstico médico é que a cirurgia pode ser realizada, mas somente em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa. É estabelecida a idade de 21 anos para a cirurgia transgenital. Porém, como houve a redução da maioridade para os 18 anos, nada justifica manter o limite etário fixado em momento anterior à vigência do Código Civil que alterou o marco da plena capacidade.

Após o longo procedimento de readequação e a realização da cirurgia, que extirpa ou constrói os órgãos genitais aparentes, adaptando o sexo anatômico à identidade psicossocial, questão de outra ordem se apresenta. Inquestionavelmente aflitiva a situação de quem, com características de um sexo, tem documentação que o declara como pertencente ao gênero corporal em que foi registrado. O nome deve existir para identificar a pessoa e não para expô-la ao burlesco, como refere Tereza Rodrigues Vieira: Aliás, a ridicularia nos casos de transexualidade está patente na desconformidade da aparência física e psíquica do indivíduo com o exarado em sua documentação legal.[14]

O avanço no campo médico não foi acompanhado pela legislação, inexistindo qualquer previsão legal admitindo a alteração quer do nome, quer da identidade sexual. A posição jurídica da pessoa no seio da coletividade constitui um dos mais importantes atributos da personalidade.[15] O registro civil serve para fixar os principais fatos da vida humana, por meio de um conjunto de atos autênticos tendentes a fazer prova segura e certa do estado da pessoa, status que consiste no seu modo particular de existir.[16]

A Lei dos Registros Públicos diz que o prenome é definitivo. Qualquer alteração posterior do nome, só é admitida por exceção e motivadamente mediante sentença judicial e publicação pela imprensa.[17] Admite-se sua substituição por apelidos públicos notórios.[18] É deste expediente que tem alguns transexuais feito uso em face da dificuldade em obterem a troca do nome.

Outra objeção para negar a mudança decorre da vedação de vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.[19] Como o registro foi levado a efeito consignando corretamente o sexo aparente, a alteração não configura qualquer erro, o que leva ao indeferimento do pedido de retificação. Olvida-se quem assim pensa que o direito à identidade tem assento constitucional. Está inserido na sua norma de maior relevância, que proclama o princípio de respeito à dignidade humana. Trata-se de uma espécie do direito de personalidade inalienável, irrenunciável, imprescritível e impenhorável.[20]

A inexistência de lei ou de provimento na via administrativa para proceder-se à alteração, leva, com freqüência, a aflorar nas Vara dos Registros Públicos procedimentos retificativos buscando a mudança do nome e da identificação do sexo no registro civil. Sendo o estado da pessoa matéria disciplinada por normas de ordem pública, sua alteração depende de procedimento judicial.

Ainda há decisões judiciais que insistem em rejeitar o pedido de alteração. As justificativas sequer encobrem o preconceito. É alegado que o Direito consagra o princípio da imutabilidade relativa do nome, não chancelando qualquer pretensão à mudança. Porém, nenhuma justificativa é cabível para negar a mudança, não se fazendo necessária sequer alteração de dispositivos legais para chancelar a pretensão.[21]

Mesmo frente às aparentes restrições legais, vem a Justiça, ainda que de modo esparso, autorizando a alteração tanto do nome como do sexo.[22] Nas decisões judiciais que autorizam a mudança do nome há profunda divergência sobre a referência ao gênero. Há decisões que autorizam a mudança sem permitir qualquer referência à condição de transexual, determinando que a averbação permaneça em segredo de justiça.[23] Outras, no entanto, determinam a publicação de edital da alteração levada a efeito.  A maioria, no entanto, impõe a averbação da condição de transexual, com o único intuito de evitar que, ocorrendo o casamento, haja pedido de anulação por erro essencial de pessoa.[24]

Tema que tem gerado questionamento é quando o pedido de retificação é levado a efeito por quem, mesmo que já tenha o fenótipo do seu sexo psicológico, não se submeteu ainda à cirurgia de redesignação. Algumas decisões já vêm enfrentaram tal situação. Todas são da justiça gaúcha. Em uma delas, embora não tenha sido construída a morfologia sexual com todas as etapas cirúrgica, foi autorizada alteração do nome e da identidade sexual.[25]  Nos dois outros julgamentos, em que não havia sido realizada a cirurgia de redesignação, em ambas foi admitida a troca do nome. Em uma decisão não se procedeu à mudança da identidade de gênero.[26] No julgamento do outro recurso foi determinada a averbação no registro de nascimento da condição de transexual. Este julgamento não foi unânime, pois na oportunidade posicionei-me pela troca da identidade sexual.[27]

O fato de não ter sido realizada a cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice à alteração do nome e da identidade sexual. O nome, enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que é, constituindo um atributo da personalidade.

A indispensabilidade de proteger o direito à identidade impõe também tutela à modificação anatômica levada a efeito, mesmo quando não realizada a cirurgia. A genitália não é aparente no convívio social, não sendo este o fator determinante na identificação sexual. É necessário proteger a identidade social por meio da alteração do nome e também do sexo. Não basta simplesmente mudar o nome. Há que se tutelar também a modificação dos caracteres físicos aparentes levada a efeito. A identidade do transgênero só será assegurada quando representar de modo fiel a realidade.[28]

Despiciendo proceder à alteração registral se restar desnudada a causa da alteração. Permanecerá limitado o direito de viver. Qualquer menção em documentos de ser o indivíduo um transexual redesignado atenta contra seu direito de personalidade, além de estar-se criando a categoria de um terceiro sexo.[29] Mudar o nome e a identidade sexual é a única solução aceitável e que não afronta os direitos e as garantias individuais constitucionalmente assegurados. Os direitos fundamentais visam a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, por sua vez, é uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo.

Na busca da alteração, merece ser invocado o art. 6º da Constituição Federal,[30] que, entre os direitos sociais, assegura o direito à saúde, encargo que é imposto ao próprio Estado.[31] A incoincidência da identidade do transexual provoca desajuste psicológico, não se podendo falar em bem-estar físico, psíquico ou social. Assim, o direito à adequação do registro é uma garantia à saúde, e a negativa de modificação afronta imperativo constitucional, revelando severa violação aos direitos humanos.[32]

Fechar os olhos à peculiar situação vivenciada pelo transexual, que é reconhecida pela própria medicina implica em infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal. Nesse sentido, cabe invocar também o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade.

 

 

Bibliografia

 

ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Do nome da mulher casada: Direito de Família e direitos da personalidade. São Paulo: Forense Universitária, 2001.

CHAVES, Antonio. Castração – esterilização – mudança artificial de sexo. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 542, dez. 1980.

_____. Direito à vida e ao próprio corpo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

COUTO, Edvaldo Souza. Transexualidade – O corpo em mutação. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 1999.

DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: o preconceito e a justiça. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

LUCARELLI, Luiz Roberto. Aspectos jurídicos da mudança de sexo. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo, jun. 1991.

MORICI, Silvia. Homossexualidade: um lugar na história da intolerância social, um lugar na clínica. In: GRAÑA, Roberto B. (org.). Homossexualidade. Formulações psicanalíticas atuais. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SILVEIRA, José Francisco Oliosi da. O Transexualismo na Justiça. Porto Alegre: Síntese, 1995.

 

SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

_____.Homossexualidade: um lugar na história da intolerância social, um lugar na clínica. In: GRAÑA, Roberto B. (org.). Homossexualidade. Formulações psicanalíticas atuais. Porto Alegre: Artmed, 1998.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Direito à adequação de sexo do transexual. Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, n. 3/96, fev. 1996.

_____.O casamento entre pessoas do mesmo sexo no direito brasileiro e no direito comparado. Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, n. 14/96, jul. 1996.

 

 

Publicado em 16/09/2015.

 

[1] Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões

Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

www.mariaberenice.com.br

[2] Luiz Edson Fachin. Elementos críticos do Direito de Família, 96.

[3] Elimar Szaniawski. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual, 35.

[4] José Francisco Oliosi da Silveira. O transexualismo na justiça, 30.

[5] Elimar Szaniawski. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual, 35.

[6] Antonio Chaves. Castração – esterilização – mudança artificial de sexo, 16.

[7] Elimar Szaniawski. Homossexualidade: um lugar na história…, 264.

[8] Antonio Chaves. Direito à vida e ao próprio corpo, 33.

[9] Silvia Morici. Homossexualidade: um lugar na história…, 169.

[10] Edvaldo Souza Couto. Transexualidade – o corpo em mutação, 20.

[11] Edvaldo Souza Couto. Transexualidade – o corpo em mutação, 28.

[12] Resolução 1.652/2002, de 6-11-2002.

[13] Em tradução livre: com alma nobre.

[14] Tereza Rodrigues Vieira. Direito à adequação de sexo do transexual, 48.

[15] Luiz Roberto Lucarelli. Aspectos jurídicos da mudança de sexo, 220.

[16] Luiz Roberto Lucarelli. Aspectos jurídicos da mudança de sexo, 220.

[17] Art. 57 da Lei nº 6.015/73.

[18] Art. 58 da Lei nº 6.015/73.

[19] CC, art. 1.604: Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

[20] Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida, Do nome da mulher casada:… 68.

[21] José Francisco Oliosi da Silveira. O transexualismo na justiça, 141.

[22] CIVIL. SEXO. ESTADO INDIVIDUAL. IMUTABILIDADE. O sexo, como estado individual da pessoa, é informado pelo gênero biológico. A redefinição do sexo, da qual derivam direitos e obrigações, procede do Direito e não pode variar de sua origem natural sem legislação própria que acautele e discipline. Rejeitam-se os embargos infringentes. EMBARGOS INFRINGENTES. TRANSEXUAL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. NOME E SEXO. Negar, nos dias atuais, não o avanço do falso modernismo que sempre não convém, mas a existência de um transtorno sexual reconhecido pela medicina universal, seria pouco científico. Embargos acolhidos para negar provimento à apelação, permitindo assim a retificação de registro quanto ao nome e sexo do embargante. (TJMG – EI 1.000.00.296076-3/001 – 4ª C.Cív. – Rel. para acórdão Des. Almeida Melo –  j. 22/04/2004).

[23] REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO. NOME E SEXO. TRANSEXUALISMO. Sentença acolhendo o pedido de alteração do nome e do sexo, mas determinando segredo de justiça e vedando a extração de certidões referentes à situação anterior. Recurso do Ministério Público insurgindo-se contra a não publicidade do registro. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJRGS –AC 70006828321 – 8ª C. Cív. – Rela. Catarina Rita Krieger Martins – j. 11/12/2003).

[24] APELAÇÃO CÍVEL. MUDANÇA DE SEXO E DE PRENOME. RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO JUIZ. Embora não constitua, a restrição imposta pelo Juiz, disposição ultra petita e nem afronte ao princípio constitucional da igualdade, provê-se, em parte, o apelo para fazer constar apenas a causa determinante de ditas alterações. Fica, assim, resguardada a boa-fé de terceiros. Louvor à sentença. Unânime. (TJRGS – AC 598 404 887 – 7ª C. Cív. – Rel. Des. Eliseu Gomes Torres–  j. 10/03/1999).

[25] REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO RELATIVAMENTE AO SEXO. TRANSEXUALISMO. POSSIBILIDADE. Embora não tenha havido a realização de todas as etapas cirúrgicas, tendo em vista o caso concreto. Recurso provido. (TJRGS – AC 70011691185 8ª C. Cív. – R el. Des.  Alfredo Guilherme Englert, j. 15/09/2005).

[26] REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. PRENOME. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. APELIDO PÚBLICO E NOTÓRIO. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada está a alteração. Inteligência dos art. 56 e 58 da Lei nº 6.015/73 e da Lei nº 9.708/98. Recurso provido.  (TJRGS – AC 70000585836 – 7ª C. Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves –  j. 31/05/2000).

[27]ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração de registro civil. O nome das pessoas, enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como sendo uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, proveram em parte. (TJRGS – AC 70013909874 –  7ª CCív. – Rel. Desa. Maria Berenice Dias, j. 5/4/2006).

[28] Tereza Rodrigues Vieira. O casamento entre pessoas do mesmo sexo no direito brasileiro…, 354.

[29] Elimar Szaniawski. Homossexualidade: um lugar na história…, 132.

[30] CF, art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[31] CF, art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado.

[32] Maria Berenice Dias. União Homossexual,…, p. 124.