Chega de temores

Maria Berenice Dias[1]

 

 

O medo, certamente, é o maior cúmplice da violência doméstica. O medo de denunciar, de deixar o lar, de não ser acreditada, sempre esteve associado ao receio de perder os filhos, de perder bens, de perder o direito a alimentos.

Esses temores, absolutamente infundados, possuíam um efeito paralisante, inibindo a busca da Justiça. Apesar dos esforços de um grande número de serviços assistenciais e organizações não governamentais e o afinco dos meios de comunicação – que tomaram consciência de seu papel de formadores da opinião pública – as ameaças sempre tiveram maior poder de convencimento.

O medo sempre foi a arma mais eficiente para garantir o silêncio.

Aliás, cabe lembrar, a bem da verdade, que a lei nunca deu ensejo ao surgimento de todas estas crendices. O que havia era tão-só a imputação de culpa ao abandono voluntário do lar conjugal. Porém, o afastamento justificado jamais ensejou um juízo de culpabilidade.

Ainda assim, o culpado, mesmo declarado como tal, sequer perde o direito à alimentos para si. Basta não ter condições de prover o próprio sustento e nem parentes que possam prestar-lhe auxílio que faz jus a alimentos. De qualquer forma a pecha de culpado goza cada vez de menos prestígio nos tribunais. Não afeta e nunca afetou o direito à meação dos bens e muito menos leva à perda da guarda dos filhos. A única preocupação sempre é o melhor interesse da prole.

Mesmo que essas diretrizes estivessem pacificadas em sede doutrinária e judicial, as crenças e os temores persistiam. Assim, em boa hora vem a Lei 11.340/2006 que devolve o poder investigatório à polícia e cria os Juizados de Violência Doméstica e Familiar. Dispõe o magistrado a possibilidade de adotar medidas protetivas de urgência tanto de natureza cível como criminal. A vítima sempre será ouvida e estará acompanhada de defensor.

É garantida a permanência da vítima no lar e a retirada do agressor. São fixados alimentos provisórios e tornado sem efeito os atos de disposição de bens levados a efeito por ele. Também fica impedida a aproximação do agressor da casa e dos membros da família. A vítima será comunicada do ingresso e da saída da prisão do agressor.

Os delitos domésticos foram afastados da Lei dos Juizados Especiais, sendo proibida a aplicação de pena de multa ou a condenação em entrega de cestas básicas.

De outro lado, a proibição de que a condenação seja a entrega de cesta básica ou aplicação de pena pecuniária ou de multa, vão acabar com a certeza da impunidade.

Assim, não mais se justifica o temor que levava ao silêncio, silêncio que alimenta a violência. Nada mais havendo a temer é chegada a hora de dizer “não”. Esta é a melhor forma de a mulher garantir o respeito à sua dignidade.

 

Publicado em 01/01/2007.

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

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