As mulheres na política
Maria Berenice Dias[1]
A mulher brasileira tornou-se cidadã somente em 1932, quando adquiriu o direito de votar, sendo que hoje o contingente feminino representa a maioria do eleitorado. Esse número, no entanto, choca-se com o fato de que a presença feminina quer no Legislativo, quer no Executivo, tanto nas instâncias federal, estadual e municipal não é expressiva. Do pequeno universo, a maioria entrou para a vida política pelas mãos do pai ou do marido, sendo mínimo o número de candidatas com carreiras políticas desvinculadas de laços familiares, ou seja, com trajetória autônoma baseada em posturas ideológicas.
Se atentarmos a que a Constituição Federal é enfática, e até repetitiva, ao proclamar a igualdade entre o homem e a mulher, é de questionar-se o motivo de tão acanhado desempenho feminino no panorama nacional.
Essa quase inaptidão da mulher em participar da vida pública decorre, sem sombra de dúvida, tanto do pouco interesse dos homens em dividir o poder, como de componentes culturais que precisam ser atentados.
Os relacionamentos afetivos estão vincados por uma marcante hierarquização, ocupando, homens e mulheres, dois mundos bem definidos e distintos. Enquanto o homem desempenha o papel de provedor e ainda se arvora a condição de chefe de família, sente-se descompromissado com as atividades domésticas. Resta a mulher relegada à função reprodutora, responsável pela casa, pela criação dos filhos e pelo cuidado com os idosos e doentes. É reservado ao homem o espaço público, ficando a mulher confinada ao recinto do lar.
Esses estereótipos, definidos desde o nascimento, só permitem que os meninos brinquem com carrinhos, aviões e bolas. Entreter-se com bonecas, casinha e panelinhas é algo que lhes é vedado, levando, qualquer interesse por essas coisas, a questionamentos sobre sua masculinidade.
O ingresso da mulher no mercado de trabalho ocorreu com a revolução industrial, que buscou na mão-de-obra feminina a forma de baratear custos, sendo que sua baixa auto-estima a fez aceitar remuneração inferior, ainda quando no desempenho da mesma função. Se tal fato levou-a para fora do lar, começou a contribuir no sustento da família, mas os encargos domésticos continuaram sob sua exclusiva responsabilidade.
Mas há mais.
A sacralização da maternidade, a condição de rainha do lar, responsável pela mantença do perfil moral da família, não lhe permite reverter a condição de submissão que lhe foi imposta. Por isso, em nome da família, por amor aos filhos, por medo da rejeição social, mantém-se em uma posição de inferioridade. Tal fato assegura ao homem um sentimento de propriedade, sentindo-se no direito de agredir quem ousa lhe desobedecer, o que leva ao estarrecedor quadro da violência doméstica: a cada 15 segundos uma mulher é vítima de maus tratos.
Diante desse retrato, que ainda espelha a realidade de hoje, não é difícil compreender o motivo por que a mulher não busca um espaço na política. Se nem no recinto de seu lar, onde é a rainha, pode manifestar sua vontade, como fazer que se conscientize da possibilidade de exercer o poder? Como encorajá-la a ingressar na política? A vida pública das mulheres restringe-se a participações sociais, como clubes de mães ou movimentos de donas de casa.
De um modo geral, o maior empecilho ao ingresso das mulheres na política são os próprios maridos ou companheiros, que impedem a candidatura, sob o fundamento de que elas deixariam de atender aos afazeres domésticos e de cumprir com o dever de cuidado dos filhos.
Na tentativa de reverter esse quadro é que desde 1995 vigora a lei que assegura uma cota mínima de 30% de participação nas eleições de cada um dos sexos. Essas vagas, no entanto, nunca são preenchidas. Dita lei, nominada como sistema de cotas, busca inserir a participação da mulher na política, não só como parte passiva, mas ativamente, como agente político. Para o fortalecimento do projeto democrático, é necessário que os partidos trabalhem na capacitação política das mulheres, que sempre foram alijadas do espaço público.
Atualmente tramitam no Congresso Nacional quase duas centenas de projetos de lei que tratam dos direitos da mulher, não se justificando a falta de conscientização política dentro de uma perspectiva de gênero.
A maior transformação que ocorreu no século passado foi a revolução feminina, segundo o filósofo Norberto Bobbio. Mas, para implementar essas conquista é necessária a adoção de políticas públicas para mulheres e sua inserção à política.
Não basta ser mulher para mudar a condição da mulher. A candidata precisa ver a política do ponto de vista da mulher. Só assim teremos uma inovação e a participação feminina no poder será uma conquista, não uma concessão.
Publicado em 27/09/2008.
[1] Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões
Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
Vice-Presidente Nacional do IBDFAM
www.mariaberenice.com.br