Alimentos e poder familiar

Maria Berenice Dias

                                                                         

Para o uso da lei especial dos alimentos (Lei 5.478/68-LA), é necessária a prova pré-constituída do vínculo obrigacional. Daí a possibilidade da concessão de tutela antecipada. Diante da prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar (LA, art. 2º), o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios. Aliás, mesmo se não requeridos, os alimentos devem ser fixados, a não ser que o credor expressamente declare que deles não necessita (LA, art. 4º).

Os alimentos provisórios são devidos a partir do momento em que o juiz os fixa. Equivocado o entendimento que, invocando o § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos, sustenta que os alimentos provisórios se tornam exigíveis somente a partir da citação do devedor. Não há como sujeitar o pagamento dos alimentos ao ato citatório. Mantendo o devedor vínculo empregatício, ao fixar os alimentos, o juiz oficia ao empregador para que desde logo dê início ao desconto da pensão, em folha de pagamento, o que passa a acontecer mesmo antes da citação do réu. Nada justifica tratamento diferenciado se não tiver o réu vínculo laboral. Nessa hipótese, não há como conceder prazo distinto para iniciar o pagamento dos alimentos, por inexistência de fonte pagadora. Além de deixar o credor desassistido, estar-se-ia incentivando o devedor a esquivar-se da citação e a esconder-se do Oficial de Justiça.

Os alimentos provisórios são devidos até o momento em que venham a ser modificados, o que pode ocorrer, no curso da demanda, quando da sentença ou por ocasião do julgamento do recurso. Em qualquer destes momentos, alterado o valor dos alimentos, para mais ou para menos, passa a vigorar de imediato o novo montante. Havendo redução, o novo valor tem eficácia ex nunc, ou seja, só vale com relação às parcelas futuras. As prestações vencidas, ainda que não pagas, continuam sendo devidas pelo valor estabelecido em sede provisória. Somente quando os alimentos definitivos forem fixados em valor maior que a verba provisória é que se pode falar em efeito retroativo. Ou seja, a eficácia retroativa dos alimentos definitivos vai depender do aumento ou diminuição de valores. Esta diferenciação decorre do princípio da irrepetibilidade do encargo alimentar. 

Esta sempre foi a posição pacífica da doutrina respaldada na jurisprudência amplamente majoritária. Porém, é absolutamente injustificável limitar a obrigação alimentar ao ato citatório. Os encargos decorrentes do poder familiar surgem quando da concepção do filho, tanto que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (CC, art. 4º). Mesmo antes do momento em que o pai procede ao registro do filho, está por demais consciente de todos os deveres inerentes ao dever familiar, entre os quais encontra-se o de assegurar-lhe sustento e educação. 

Enquanto os pais mantêm vida em comum, os deveres decorrentes do poder familiar constituem obrigação de fazer. Cessado o vínculo de convívio dos genitores, não se modificam os direitos e deveres com relação aos filhos (CC, arts. 1.579 e 1.632). Restando a guarda do filho com somente um dos pais, as obrigações decorrentes do poder familiar resolvem-se em obrigação de dar, consubstanciada no pagamento de pensão alimentícia.

Logo, o genitor que deixa de conviver com o filho deve passar a alcançar-lhe alimentos de imediato, espontaneamente, mediante a entrega de dinheiro, ou por meio da ação de oferta de alimentos. Como a verba se destina à subsistência, os alimentos devem ser pagos antecipadamente. Assim, no dia em que o genitor sai de casa, deve depositar alimentos em favor do filho. O que não pode é, comodamente, ficar aguardando ser citado para a ação e somente então adimplir a obrigação de prover-lhe o sustento.

Em se tratando de obrigação decorrente dos deveres parentais, é inequívoca a ciência do réu do direito reclamado pelo autor. Não há por que constituir o devedor em mora pelo ato citatório para só então lhe impor o adimplemento do encargo de pagar os alimentos (CPC, art. 219). A mora se dá quando o genitor deixa de prover o sustento do filho. Este é o marco inicial da obrigação alimentar. Assim, proposta a ação, além da prova do parentesco, compete ao autor informar o momento em que houve a cessação do convívio indicando as circunstâncias em que ocorreu a mora. É do réu o encargo de provar que pagou, demonstrar que continuou exercendo os deveres inerentes ao poder familiar, mesmo não convivendo com o filho. 

Por ocasião da sentença, cabe ao juiz fixar o termo inicial do encargo alimentar aquém da data da citação e até aquém da data da propositura da ação. O dies a quo será o momento em que houve a cessação do adimplemento do dever de sustento. Não há outro modo de assegurar o efetivo cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar.

 

Publicado em 24/06/2009.