Alienação parental: uma bala perdida que mata!

Maria Berenice Dias[1]

 

 

Grande parte das separações produz efeitos traumáticos que vêm acompanhados dos sentimentos de abandono, rejeição e traição. Quando não há uma elaboração adequada do luto conjugal, tem início um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge. Os filhos são levados a rejeitar o outro genitor, a odiá-lo. Tornam-se instrumentos da agressividade direcionada ao ex-parceiro. A forma encontrada para compensar o abandono, se vingar pela perda do sonho do amor eterno, acaba recaindo sobre os filhos, impedidos que são de conviverem com o genitor que optou pelo fim da união.

O desejo de vingança tem levado ao crescimento assustador da denúncia de práticas incestuosas. Aflitiva a situação do profissional que é informado sobre tal fato, pois, se de um lado há o dever de tomar imediatamente uma atitude, de outro existe o receio de a denúncia ser falsa. Nos processos envolvendo abuso sexual, a alegação de que se trata de alienação parental tornou-se argumento de defesa e vem sendo invocada como excludente de criminalidade.

O alienador, em sua maioria a mulher, monitora o tempo e o sentimento da criança, desencadeando verdadeira campanha para desmoralizar o outro. O filho é levado a afastar-se de quem o ama, o que gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo afetivo. Acaba também aceitando como verdadeiro tudo que lhe é informado. Identifica-se com o genitor patológico e torna-se órfã do genitor alienado. O alienador, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o controle total. Tornam-se os dois unos, inseparáveis. O pai passa a ser considerado um invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço. Este conjunto de manobras confere prazer ao alienador em sua trajetória de promover a destruição do antigo cônjuge.

Neste jogo de manipulações, a narrativa de um episódio durante o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação de natureza abusiva é o que basta. O filho é convencido da existência do acontecimento e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente ocorrido.

A criança nem sempre consegue discernir que está sendo manipulada e acredita naquilo que lhe foi dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir a diferença entre a verdade e a mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência. Implantam-se, assim, falsas memórias.

O fato é levado ao Poder Judiciário com o objetivo de que as visitas entre filho e o genitor sejam suspensas. Diante da gravidade da situação, o juiz não encontra outra saída senão suspender qualquer contato entre ambos e determinar a realização de estudos psicossociais para aferir a veracidade do que lhe foi noticiado. Como esses procedimentos são demorados, durante todo este período, cessa a convivência do pai com o filho. Inúmeras são as sequelas que a abrupta cessação das visitas pode trazer, bem como os constrangimentos gerados pelos testes e entrevistas a que a vítima é submetida na busca da identificação da verdade.

No máximo, são estabelecidas visitas de forma monitorada, na companhia de terceiros, ou no recinto do fórum, lugar que não pode ser mais inadequado. E tudo em nome da preservação da criança. Mas até que todo esse procedimento seja concluído, em face da imediata suspensão das visitas ou da determinação do monitoramento dos encontros, o sentimento do genitor guardião é de vitória, pois alcançou seu intento rompendo o vínculo de convívio. Nem atenta ao mal que ocasiona ao filho, aos danos psíquicos que lhe inflige, tão perversos quanto se o abuso tivesse ocorrido. Aliás, é preciso se ter presente que esta também é uma forma de abuso que põe em risco sua saúde emocional. O filho acaba passando por uma crise de lealdade: a lealdade para com um dos pais implica deslealdade para com o outro, o que gera doloroso sentimento de culpa quando vier a constatar que foi cúmplice de uma grande injustiça.

Não há outra saída senão buscar identificar a presença de outros sintomas que permitam reconhecer que se está frente a um caso de alienação parental e que a denúncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como instrumento para acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para essa identificação, indispensável não só a participação de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, com seus laudos, estudos e testes, mas também que o juiz se capacite para poder distinguir o sentimento de ódio exacerbado que leva ao desejo de vingança a ponto de programar o filho para reproduzir falsas denúncias com o só intuito de afastá-lo do genitor.

A estas questões todos devem estar mais atentos. Não mais cabe ficar silente diante destas maquiavélicas estratégias que vêm ganhando popularidade e que estão crescendo de forma alarmante. A falsa denúncia de abuso sexual não pode merecer o beneplácito da Justiça, que, em nome da proteção integral, de forma muitas vezes precipitada ou sem atentar ao que realmente possa ter acontecido, vem rompendo vínculo de convivência tão indispensável ao desenvolvimento saudável e integral de crianças em desenvolvimento.

Assim, flagrada a ocorrência de alienação parental, necessário que haja a responsabilização do genitor que assim atua por saber da dificuldade de ser aferida a veracidade dos fatos. Mister que sinta que há o risco, por exemplo, de perda da guarda, caso reste evidenciada a falsidade da denúncia levada a efeito. Sem haver punição a posturas que comprometem o sadio desenvolvimento do filho e colocam em risco seu equilíbrio emocional, certamente continuará aumentando esta onda de denúncias envolvendo casos de falsos incestos.

De enorme significado a Lei 12.318/2010, chamada lei da Alienação Parental. Mas ela não é suficiente. É indispensável a criação de Juizados ou Varas especializadas para os processos em que há alegação de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Essas Varas devem centralizar todas as demandas, não só a ação criminal contra o agressor. Também ali cabe tramitar as ações de competência do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como os processos envolvendo a jurisdição de Família: destituição do poder familiar, guarda, visitas, alimentos, etc. Mas é preciso qualificar os magistrados, agentes do Ministério Público, defensores, advogados, servidores para trabalharem nesses Juizados. Também é imprescindível dotar estes espaços com equipes multidisciplinares.

Todas as comarcas deveriam adotar, a exemplo do que já existe no Rio Grande do Sul, formas de colher o depoimento da vítima de maneira a evitar a ocorrência de danos secundários. A experiência gaúcha, com o nome de Depoimento Especial, criou ambiente adequadamente equipado em que a vítima é ouvida por um psicólogo ou assistente social. Na sala de audiência, o depoimento é acompanhado, por vídeo, pelo juiz, pelo representante do Ministério Público, pelo réu e seu defensor, que dirigem as perguntas, por meio de uma escuta discretamente colocada no ouvido de quem está colhendo o depoimento da vítima. O DVD com a gravação da audiência é anexado ao processo. Com este procedimento, a vítima é ouvida uma única vez, enquanto seu depoimento passa a poder ser visto, inclusive, no Tribunal, quando do julgamento do recurso.

É preciso ainda proibir que as vítimas sejam ouvidas por Conselheiros Tutelares, policiais civis e militares. Ao receber qualquer denúncia de abuso, os Conselheiros Tutelares precisam encaminhar a vítima ao Juizado da Infância e Juventude. A polícia, ainda que instaure o inquérito policial, não deve colher seu depoimento no recinto da Delegacia. Deve solicitar que ela seja ouvida, em juízo, por um técnico e em ambiente adequado.

Tais providências têm enorme significado, pois, além de minimizar as sequelas de ordem psicológica na pessoa das pequenas vítimas, vão permitir que se identifique com mais segurança quem é o seu autor: ou o genitor que de fato abusou sexualmente do filho ou quem denunciou falsamente a ocorrência de incesto, duas formas perversas de abuso que igualmente precisam ser punidas.

 

 

Publicado em 17/01/2013.

[1] Advogada

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

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