Adoção sem preconceito

Maria Berenice Dias[1]

 

 

A Lei 12.010/09, chamada Lei Nacional da Adoção assume viés conservador ao deixar de admitir expressamente a adoção por famílias homoafetivas. Ainda que venham a doutrina e a jurisprudência de vanguarda reconhecendo a união estável homossexual e admitindo a adoção homoparental, vã é a tentativa de impedir que duas pessoas do mesmo sexo constituam uma família com prole.

A postura, além de equivocada, é preconceituosa e discriminatória. Ao depois, comete duas ordens de inconstitucionalidade: cerceia aos parceiros do mesmo sexo o direito constitucional à família (art. 226) e não garante a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar (art. 227).

Impedir significativa parcela da população que mantém vínculos afetivos estéreis de realizar o sonho da filiação revela atitude punitiva, quase vingativa, como se gays e lésbicas não tivessem condições de desempenhar as funções inerentes ao poder familiar. Também acaba negando a milhões de crianças o direito de sair das ruas, de abandonar os abrigos onde estão depositadas, sonegando-lhes o direito a um lar e a chance de chamar alguém de pai ou de mãe.

Parece que a lei olvida o que diz a Constituição: que é dever não só da família e da sociedade, mas é também dever do Estado proteger, com absoluta prioridade, o cidadão de amanhã.

E negar um lar não é proteger.

Não se pode esquecer que a criança que espera a adoção normalmente já passou por dolorosas experiências de vida – foi abandonada pelos pais, ou foram eles destituídos do poder familiar – e espera ansiosamente por alguém que a queira e a ame de verdade.

Será que alguém já foi a algum abrigo perguntar às crianças que lá estão depositadas se aceitam ser adotadas por duas mulheres ou por dois homens que uma equipe técnica reconheceu como tendo todas as condições de desempenharem o papel de pai e de mãe?

É função do Estado proteger essas crianças. Não se pode deixar o preconceito vencer e simplesmente impedir a adoção por duas pessoas que mantêm uma família homoafetiva.

Está na hora de acabar com a hipocrisia, com a onipotência do legislador que pensa que a lei tem o poder mágico de impedir que as pessoas persigam o sonho de ter um LAR: Lugar de Afeto e Respeito.

 

Publicado em 24/11/2010.

[1] Advogada especializada em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

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