Adoção ou reprodução assistida?

Maria Berenice Dias[1]

 

O instituto da adoção é um dos mais antigos que se tem notícia.

Afinal, sempre existiram filhos que os pais não querem ou que são afastados do poder familiar. Há legiões de crianças abandonadas, jogadas no lixo, maltratadas, violadas e violentadas, escancaram esta realidade.

A sorte é que milhões de pessoas desejam realizar o sonho de ter filhos.

Diante desta realidade, agilizar as adoções deveria ser a maior preocupação do Estado, pois não há solução pior do que manter crianças, adolescentes e jovens abrigados. Quando não lhes é concedido o direito de ter uma família, ao completarem a maioridade são simplesmente despejados na rua. O destino é quase certo. As jovens caem na prostituição e os jovens nas drogas.

A chamada Lei Nacional da Adoção (Lei 12.010/2009), não faz jus ao nome, pois só veio dificultar o processo de adoção. De forma injustificável dá preferência à família biológica, o que leva o Judiciário a despender muito tempo buscando encontrar algum parente que a deseje. A primeira tentativa é entregar a criança aos avós. Como eles não podem adotar o neto, terão somente a guarda do mesmo, condição das mais precárias. Às claras que ele sempre será estigmatizado como o filho que a mãe rejeitou e assim se sentirá quando a encontrar nas reuniões de família. Inquestionável que não há situação que mais desatenda ao melhor interesse da criança do que mantê-la no âmbito da família originária.

Fora isso, é tal a burocracia para disponibilizar crianças à adoção que, quando finalmente isso acontece, muitas vezes ninguém mais as quer. Os candidatos a adotá-las perderam a chance de compartilhar da primeira infância do filho que esperaram durante anos na fila da adoção. É tão perverso o cerco para impedir o acesso a crianças abrigadas que os adotantes sequer são admitidos para realizar trabalho voluntário.

O surpreendente número de crianças abrigadas escancara esta realidade. Fala-se em 100 mil entre crianças, adolescentes e jovens literalmente depositados em instituições sobre as quais o Estado não consegue manter qualquer controle.  O Cadastro Nacional da Adoção busca mascarar este número, ao indicar um pequeno contingente de crianças disponíveis à adoção, o que só revela a enorme dificuldade de agilizar o processo de destituição do poder familiar.

Mas há mais. Quem não está cadastrado simplesmente não pode adotar. Tentando manter a cega obediência às famigeradas listas, que deveriam servir para agilizar a adoção e não para obstaculizá-la, foi instituída uma multa em caso de desobediência. Assim, por medo de serem multados, de modo muito frequente, juízes e promotores arrancam crianças dos braços dos únicos pais que elas conheceram para entregá-las ao primeiro casal habilitado, sem atentar que estão impondo uma nova perda a quem já tinha sido abandonado.

Em face das enormes percalços impostos à adoção, quem deseja ter filhos, ao invés de se sujeitarem a anos de espera, está fazendo uso das modernas técnicas de reprodução assistida. Esta é a solução que vem sendo encontrada por quem só deseja concretizar o sonho de ter uma família com filhos. Eles simplesmente estão gestando os filhos.

É emblemático o nascimento do filho do cantor Elton John e de seu marido David Furnish. Depois de tentarem, sem sucesso, adotar um órfão ucraniano, fizeram uso da gestação por substituição – a chamada barriga de aluguel – que ocorreu nos Estados Unidos, por ser procedimento não aceito na Inglaterra.

Ora, se o governo da Ucrânia não tivesse impedido a adoção, certamente a criança estaria a salvo da morte por inanição, destino mais provável de milhões de crianças dos chamados países do terceiro mundo. Aliás, da mesma injustificável recusa foram alvo Madonna e Angelina Jolie quando desejaram adotar crianças dessas regiões.

O documentário da HBO denominado “Google Baby” é estarrecedor. Mostra a existência de uma verdadeira indústria que comercializa fertilizações. Os procedimentos vêm sendo utilizada com enorme desenvoltura. Os candidatos escolhem via internet a mulher que se dispõe a vender seus óvulos. Ela se submete a um tratamento que multiplica o número de óvulos, que são extraídos, congelados e transportados para que a inseminação seja feita no país onde os contratantes residem. Depois da fecundação o embrião é levado para a Índia, onde o procedimento é permitido e os custos são baixos. Implantado em mães gestacionais, elas ficam confinadas durante a gravidez. Após o nascimento, o filho é entregue a quem contratou o serviço, que o registra em seu nome.

Apesar de esta ser uma prática legítima, tem um efeito assustador, pois impede que as crianças abandonadas que se encontram espalhadas pelo mundo tenham a chance de conseguirem uma família. Quem sabe perdem a única possibilidade que teriam de sobreviver.

A realidade brasileira não é diferente. A lei não proíbe, mas também não admite de forma expressa a adoção por casais homoafetivos, o que leva ainda alguns juízes a negar-lhes a habilitação conjunta. Assim, ao invés de se submeterem a frustradas tentativas de conseguirem adotar, os homossexuais estão fazendo uso dessas técnicas reprodutivas.

Pelo jeito o Estado tem esquecido do dever de cumprir o preceito constitucional de dar proteção especial, com absoluta prioridade, a crianças, adolescentes e jovens. E, se o caminho da adoção é obstaculizado sobra um contingente de futuros cidadãos a quem é negado o direito à convivência familiar.

 

 

Publicado em 07/01/2011.

[1] Advogada

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

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