Adoção e o direito constitucional à convivência familiar

Maria Berenice Dias[1]

 

 

Ninguém duvida que é necessário fazer algo diante de um dos maiores problemas sociais brasileiro: as milhares crianças e adolescentes que se encontram em abrigos, à espera de um lar.

Quando os pais não assumem ou foram afastados dos encargos decorrentes do poder familiar, a responsabilidade para com este enorme contingente de cidadãos do amanhã precisa ser assumida por todos. Daí o número crescente de programas tanto do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, como da Associação Brasileira de Magistrados – AMB incentivando a adoção. Afinal não existe outra forma de dar efetividade ao comando constitucional que assegura a crianças e adolescentes, com prioridade absoluta, o direito à convivência familiar.

No entanto, sucessivas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente e a falta de sensibilidade de alguns juízes e promotores acabam praticamente por inviabilizar a adoção. O intuito de proteger acaba por burocratizar de tal forma os sucessivos e morosos procedimentos, que a adoção se torne um verdadeiro calvário, não só para quem quer adotar, mas principalmente para quem anseia por uma família.

É absolutamente equivocado o prestígio que se empresta à família natural, quando se busca manter, a qualquer preço, o vínculo biológico, na vã tentativa de manter os filhos sob a guarda dos pais ou dos parentes que constituem a chamada família estendida.

Essas infrutíferas tentativas fazem com que as crianças, ao serem rejeitados por seus pais e parentes, acumulem sucessivas perdas e terrível sentimento de abandono que trazem severas sequelas psicológicas. Somente depois de vencida esta etapa é que tem início a ação de destituição do poder familiar. Finalizado o processo, que por vezes demora anos, é que finalmente ocorre a inscrição no cadastro da adoção, permanecendo a criança institucionalizada às vezes por muitos anos. Neste percurso ela perde a sua infância, período mais significativo para o sadio desenvolvimento e a construção da própria identidade.

Ela cresce e geralmente perde a possibilidade de ser adotada, pois o interesse dos candidatos à adoção é por crianças pequenas.

Por isso é necessário que se priorize o interesse de quem tem o constitucional direito de ser protegido e amado, e não o pretenso direito de pais e familiares que não souberam ou não quiseram assumir os deveres parentais.

Afinal, não é o elo biológico que merece ser preservado. São os vínculos afetivos que precisam ser assegurados a quem tem o direito de ser amado como filho.

 

 

Publicado em 223/07/2016.

[1] Advogada especializada em Direito das Famílias, Sucessões e Direito Homoafetivo

Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS

Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM

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