A paternidade que não veio

Maria Berenice Dias[1]

 

 

De forma absolutamente fora do lugar, a Lei 12.004/09 acrescenta um artigo à Lei 8.560/92, gerando a presunção de paternidade no caso de o suposto pai se recusar a submeter-se ao exame de DNA. A presunção não é absoluta, porquanto cabe ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

Porém, de modo uniforme a jurisprudência assim já decidia, invocando o disposto no Código Civil (231 e 232). Inclusive a matéria está pacificada pelo STJ na Súmula 301: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”

Assim, não se consegue entender a que veio a nova lei.  Talvez a intenção fosse a de autorizar o registro da paternidade no procedimento de averiguação oficiosa da paternidade, que se instaura quando a genitora informa, no ato do registro, quem é o pai biológico. A medida seria extremamente salutar, a exemplo do que acontece em outros países. Ante a negativa de quem foi indicado como genitor a submeter-se ao exame do DNA, o juiz deveria determinar o registro. A eventual irresignação precisaria ser buscada pelo interessado via ação negatória da paternidade.

No entanto, desgraçadamente, não é o que permite a lei. No momento em que fala em “ação investigatória da paternidade” e se refere ao investigado como réu, às claras que se está em sede de demanda judicial, promovida pelo Ministério Público ou pelo próprio filho.

Assim, continua tudo na mesma. Quando o oficial do registro encaminha ao juiz a certidão constando apenas o nome da mãe, o juiz manda notificar o suposto pai. Caso ele se quede em silêncio, negue a paternidade e não queira se submeter ao exame, o juiz continua sem poder fazer nada. Limita-se a remeter o procedimento ao Ministério Público para que proponha a ação investigatória da paternidade. E, nem nos autos da demanda investigatória, a negativa do réu em fazer o exame autoriza a procedência da ação. Isso porque a presunção não é absoluta, pois precisa ser examinada em conjunto com o contexto probatório.

Ora, como a gravidez geralmente decorre de ato sexual, que, via de regra, é mantido a descoberto de testemunhas, não há como exigir provas outras. A resistência do indicado como pai não pode ter outro significado senão o de que abriu mão de comprovar a ausência de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Tal postura só poderia levar à procedência da ação. Mas não é o que enseja o novo dispositivo. Depois que surgiu o exame do DNA, com altíssimos índices de certeza, nada mais se faz necessário. Basta a negativa do indigitado pai para que seja reconhecida a paternidade. E, enquanto não assume os deveres decorrentes do poder familiar, qualquer compromisso tem para com o filho que se nega a reconhecer.

Deste modo, insiste o legislador em desatender ao comando constitucional que prioriza o melhor interesse de crianças e adolescentes. Continua o pai com a prerrogativa de resistir à prova e não assumir a paternidade se não houver – como na maioria das vezes não há – elementos probatórios outros capazes de comprovar a filiação.

 

 

Publicado em 10/08/2009.

 

 

 

 

[1] Advogada

Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

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