A nova execução de alimentos

Maria Berenice Dias[1]

 

Parece que o Código de Processo Civil se olvida da responsabilidade do Estado de garantir, do modo mais célere possível, a busca dos alimentos. De forma para lá de inusitada empresta sobrevida à Lei de Alimentos (L 5.478/1968), que já se encontra em estado terminal (CPC 693 parágrafo único). Basta atentar que permite à parte dirigir-se diretamente ao juiz, propondo a ação verbalmente e sem representação de advogado.

A lei processual toma para si tão só a execução dos alimentos, revogando os artigos 16 a 18 da Lei de Alimentos (CPC 1.072 V). Dedica um capítulo ao cumprimento da sentença e da decisão interlocutória que estabelece alimentos (CPC 528 a 533) e outro para a execução de título executivo extrajudicial (CPC 911 a 913). Ainda assim, os ritos são os mesmos, pela expressa remissão de um ao outro (CPC 911 parágrafo único).

Dispondo o credor de um título executivo – quer judicial, quer extrajudicial – pode buscar sua execução pelo rito da prisão (CPC 528 e 911) ou da expropriação (CPC 528 § 8º e 530).

A execução de alimentos mediante coação pessoal (CPC 528 § 3º e 911 parágrafo único) é a única das hipóteses de prisão por dívida admitida pela Constituição Federal que subsiste (CF 5.º LXVII). A jurisprudência acabou com a possibilidade da prisão do depositário infiel.

Pela nova sistemática é possível buscar a cobrança de alimentos por meio de quatro procedimentos:

  1. de título executivo extrajudicial, mediante ação judicial visando a cobrança pelo rito da prisão (CPC 911);
  2. de título executivo extrajudicial, mediante ação judicial, imprimindo o rito da expropriação (CPC 913);
  3. o cumprimento de sentença ou decisão interlocutória para a cobrança pelo rito da prisão (CPC 928);
  4. o cumprimento de sentença ou decisão interlocutória pelo rito da expropriação (CPC 530).

O cumprimento de sentença definitiva ou acordo judicial deve ser promovido nos mesmos autos da ação de alimentos (CPC 531 § 2º). A execução dos alimentos provisórios e da sentença sujeita a recurso, se processa em autos apartados (CPC 531§ 1º). Já para executar título executivo extrajudicial é necessário o uso de processo executório autônomo (CPC 911).

A eleição da modalidade de cobrança depende tanto da sede em que os alimentos foram fixados (título judicial ou extrajudicial), como do período que está sendo cobrado: se superior ou inferior a três meses (CPC 528 § 3º).

Não há como impor o uso de duas via executiva, uma pelo rito da prisão e outra via expropriação, pelo simples fatos de estarem vencidas mais de três prestações. (CPC 528 § 8º).

Certamente este foi o grande avanço da lei processual, ao dispensar o uso de procedimentos autônomos para a cobrança de parcelas antigas e atuais. Não é mais necessário que o credor proponha dupla execução, o que só onera as partes e afoga a justiça.

Basta atentar que, para o cumprimento de sentença ou decisão interlocutória, a possibilidade de prisão e de penhora estão previstos em um único capítulo. O mesmo vale para cobrar títulos extrajudiciais, que remete aos mesmos dispositivos legais (CPC 911 parágrafo único).

Deste modo, o credor pode ingressar com uma única execução pedindo a prisão do devedor referente às três últimas parcelas e a cobrança, via penhora, dos débitos pretéritos, oportunidade em que o credor já deve indicar bens à penhora.

Não mais cabe o juiz cindir a cobrança quando o credor vem a juízo cobrar mais de três parcelas pelo rito da prisão. Deve dar ciência ao credor que o réu será citado para pagar, em três dias, as três parcelas recentes, sob o rito da prisão. E, como as parcelas antecedentes serão cobradas pelo rito da expropriação, determina que o credor indique bens à penhora.

De modo pra lá de desarrazoado, diferentes são os ritos legais a depender da natureza do título executivo, se judicial ou extrajudicial.

Quando se trata de título executivo judicial, o cumprimento da sentença segue nos mesmos autos. A intimação é feita pelo Diário da Justiça (CPC 513 § 2º I), na pessoa do advogado do réu, para ele:

– em três dias: pagar, provar que já pagou, ou comprovar a impossibilidade absoluta de pagar as três últimas parcelas vencidas antes do ajuizamento da execução e mais as que se vencerem no curso do processo, sob pena de prisão (CPC 528 § 7º).

– em 15 dias: pagar as parcelas pretéritas, acrescidas das custas (CPC 523).

Decorrido o prazo de três dias, sem o pagamento das três últimas parcelas vencidas antes do pedido de cumprimento da sentença, e mais as que se vencerem até o efetivo pagamento, o juiz expede mandado de prisão.  Igual será o comando judicial se não for aceita a justificativa apresentada.

Decorrido o prazo de 15 dias, o total da dívida é acrescido de multa de 10% e honorários em igual percentual (CPC 523 § 1º). O juiz expede mandado de penhora e avaliação (CPC 523 § 3º) e determina o protesto da dívida (CPC 528 §§ 1º e 3º).

Quando se trata de execução de título executivo extrajudicial, o juiz, de plano, fixa honorários advocatícios de 10% e expede um só mandado de citação para o devedor, em três dias:

– pagar, provar que já pagou, ou comprovar a impossibilidade absoluta de pagar as três últimas parcelas vencidas antes do ajuizamento da execução e mais as que se vencerem até a data do pagamento,  sob pena de prisão (CPC 911).

– no mesmo prazo de três dias, pagar as parcelas pretéritas (CPC 829), sob pena de penhora.

Caso não ocorra o adimplemento, das três últimas parcelas vencidas antes do ajuizamento da execução e das que se vencerem até o efetivo pagamento, o juiz expede mandado de prisão.  Igual será o comando judicial se não for aceita a justificativa apresentada.

Quanto às parcelas pretéritas, havendo o pagamento nos três dias, o valor dos honorários é reduzido pela metade (CPC 827 § 1º).

Em caso de não pagamento, o credor pode pedir uma certidão comprobatória do inadimplemento e averbar a existência da mora no registro de imóveis, no registro de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade (CPC 828). Também é possível a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes: SPC e SERASA (CPC 782 § 3º).

Evidenciada postura procrastinatória do devedor, é possível requerer outras medidas coercitivas, como apreensão do passaporte, carteira de motorista, cartões de crédito. Cabe ao juiz determinar todas as medidas indutivas e coercitivas para assegurar o cumprimento da ordem judicial (CPC 139 IV).

Cumprido o prazo de prisão sem pagamento, segue a execução pela totalidade da dívida, com relação a todas as parcelas, pelo rito da expropriação (CPC 530).

Às claras que o uso de um só processo para os dois procedimentos não gera confusão e nem retarda a cobrança do encargo alimentar.

Muito pior seria seguir como vinha sendo feito até agora. Uma execução para cada rito. Só que, cumprida a prisão e não realizado o pagamento, seguiam duas execuções, pelo mesmo rito da penhora, entre as mesmas partes, para a cobrança de obrigação de igual natureza.

Principalmente quando se trata de obrigação para garantir o direito à sobrevivência, é indispensável que o juiz vele pela duração razoável do processo.

Afinal, a fome não espera.

 

 

Publicado em 27/01/2017.

[1] Advogada, Vice Presidente do IBDFAM.