A nossa justiça

Maria Berenice Dias[1]

 

O Poder Judiciário deste país vê-se nos últimos dias exposto nos noticiários, em suas mais diversas formas, a um verdadeiro massacre de opiniões e informações, no mais das vezes negativas. São, em síntese, quatro as principais acusações: morosidade, corrupção, nepotismo e desnecessidade de algumas Justiças especiais.

Do elenco de fatos denunciados, que dão causa ao pedido de instalação de uma comissão parlamentar de inquérito, talvez nos caiba a acusação – genérica – de morosidade. No entanto, sabemos – e o plural se justifica, posto que globalizante e muitas vezes denunciado – que essa morosidade tem seu lastro em uma situação conjuntural: a falta de servidores da Justiça, em particular de juízes, ocasionada pela desmotivação de uma carreira penosa e com baixo reconhecimento material. A outra causa, razão básica da morosidade explicitada e acusada, é estrutural e diz com os trâmites procedimentais e as possibilidades recursais inesgotáveis, recursos muitas vezes utilizados com intuito meramente protelatório.

Porém, cabe aos magistrados gaúchos proclamar que há muito expurgamos o nepotismo de nossa Justiça; que somos o Judiciário mais espartano desta nação, em que seus membros não têm veículos oficiais, motoristas ou seguranças; que ocupamos o segundo lugar na lista dos magistrados mais mal remunerados do país; que não se tem notícia de favorecimento nos julgados, motivados seja por suborno, seja por amizades.

Que erramos? Claro que todos podemos errar. Mas certamente não por vontade, não pelo não-saber, não pela tentação pecuniária, não para agradar a quem quer que seja. Erramos por sermos humanos e, portanto, falíveis. Ainda bem que assim somos, pois uma sentença deve ser produto do equilíbrio da razão e da emoção, mas sempre derivada do sentimento de justiça.

Por tudo isso, não devemos ficar em uma posição defensiva. Indispensável que o Judiciário do Rio Grande do Sul tome algumas atitudes. Solicite ao Senador Antônio Carlos Magalhães que nos envie – se as possuir – as denúncias de eventuais irregularidades a propósito do Judiciário de nosso Estado. De posse de tais elementos, devemos tomar a iniciativa de fazer um levantamento próprio a respeito das situações e disponibilizar os resultados ao Senado e a toda a sociedade.

É ao povo que devemos dar satisfação de nosso proceder; por isso, necessário que façamos um amplo levantamento da situação de nossa Justiça, identificando eventuais problemas e ampliando a atividade corregedora, para buscar soluções imediatas. Indispensável, também, que se abram canais de comunicação, fazendo uma ampla divulgação das formas pelas quais qualquer jurisdicionado possa veicular suas eventuais queixas e insatisfações.

Nosso Judiciário não precisa se esconder, bem ao contrário, tem de procurar a luz, se expor. Pois acredito que poucas serão as causas de vergonha que possamos ter, mas certamente muito mais razões de orgulho de a ele pertencer.

 

Publicado em 14/07/2003.

[1] Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS

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